Quentão e Vinho Quente a origem - parte I

Para quem nasceu na região sul do país, pode achar que Quentão é feito com vinho e cachaça, mas em outras regiões do Brasil principalmente no sudeste brasileiro são coisas diferentes vamos tentar entender estes dois drinques brasileiros que fazem muito sucesso no inverno e nas festas desta época.






Origem da Festa de São João

As festas populares brasileiras são riquíssima com influências e origens diversas, ter orgulho destas festividades é ter orgulho da nossa cultura popular. Festa Junina ou Festa de São João pode ser entendida como uma grande interação entre a cultura indígena, jesuíta, português, africana e caipira.

O significado de Caipira segundo Câmara Cascudo é uma variação ou adaptação da palavra 'capoora', palavra que tem origem Tupi que significa 'morador do mato', seria a mistura do índio trazendo conhecimento da mata nativa, a religiosidade do europeu, e as crenças e superstições dos africanos que foram escravizados no Brasil.

A origem da festa é bem antiga, muito antes da Igreja católica abrir muitas franquias no mundo. A religião é uma forma de conquista de povos, em um processo conhecido como aculturação, quando uma cultura se sobrepõe a outra, não exterminando um povo mas sim acabando com seus costumes e cultura impondo outra no lugar, neste caso o catolicismo.

Tudo começou no hemisfério norte, onde era comemorado nos dias 21 e 22 de junho o solstício de verão - o período com mais tempo de luz do dia do ano. Neste período era comum o preparo de rituais que pediam uma colheita farta, quem fazia esse tipo de ritual eram povos bem distintos desde egípcios, celtas, hebreus até nórdicos.

"Na Europa, os cultos à fertilidade em junho foram reproduzidos até por volta do século 10, como a igreja católica não conseguiu combatê-los, decidiu cristianizá-los, instituindo dias de homenagens á três santos católicos no mesmo mês", conta a antropóloga Lucia Helena Rangel da PUC-SP.

Neste processo de aculturação a igreja católica 'absorveu' estas festividades solsticiais e aproveitou para homenagear os três santos católicos celebrados pelo catolicismo que Lucia cita acima são: Santo Antônio (13 de junho), São João Batista  (24 de junho), São Pedro (29 de junho).

O mais surpreendente é que alguns povos originários do Brasil já faziam rituais na mesma época, conhecemos hoje como o mês de junho no calendário gregoriano, dançavam, cantavam e celebravam a agricultura, quando os jesuítas implementaram as reduções, juntaram as datas comemorativas católicas com os rituais indígenas, por isso que na Festa Junina possuí muitos alimentos que faziam parte da dieta indígena. As reduções jesuítas era um movimento que visava impor o catolicismo sob os povos indígenas, doutrinando e catequizando todo uma cultura, novamente o aculturamento acontecendo na história do Brasil.

Na contemporaneidade é agregado ao cardápio desta festividade junina brasileira costumes de alimentos consumidos pelas nações indígenas, algumas raízes e grãos como pinhão, amendoim, mandioca  e o milho, agregaram ao sabor desta festividade junto com costume caipira da cachaça. 

Um cardápio tradicional de Festa Junina é composto por milho verde, amendoim, pipoca, quentão, pé de moleque, bolo de fubá e outras guloseimas oriundas da gastronomia luso-brasileira.


(clique na foto para 
saber mais sobre festa junina)
Umas das harmonizações mais tradicionais na festa junina, pipoca e quentão.


Outros drinques quentes com base vínica

Para entender um pouco a origem do vinho quente e quentão voltaremos um pouco no tempo mais precisamente em 1827 no livro, Oxford Night Caps. Being a collection of receipts for making various beverages used in the University. Considerado por muitos um dos primeiros livros que compilava receitas de coquetéis.


Logo no começo do livro as receitas são de um drinque chamado Bishop, bispo em português, diz a lenda que o nome foi dado por religiosos ingleses. O drinque é feito no forno e seu consumo é em temperatura elevada seus ingredientes são Vinho do Porto, água, laranja e limão siciliano tostado, cravo, canela, gengibre açúcar (algumas variações levam mel) e noz-moscada. A partitr do Bishop como base de receita o livro sugere mais três coquetéis quentes.

Lawn Sleeves - A receita deste drinque sugere a troca do Vinho do Porto por Sherry que é a tradução inglesa para Xerez/Jerez (Vinho Fortificado de origem espanhola) ou Madeira (Vinho Fortificado de origem portuguesa) e para adoçar é usado uma sobremesa que usa gelatina feita a partir de gordura de bezerro, açúcar, especiarias e limão siciliano, tudo isso é usado derretido no drinque, esta iguaria em forma de gelatina é conhecida como CalvesFeet Jelly.

Cardinal - A substituição do vinho do porto é feita por Claret, que era como os ingleses chamavam os vinhos de Bordeaux que possuíam a coloração rosada (mas cuidado não confunda, este vinho não é um Rosé).

Pope - Nesta receita se substitui o Vinho do Porto por Champagne, mantendo como todas as outras a base do Bishop.


O drinque Bishop ficou extremamente conhecido pelo livro A Christmas Carol (1843) de Charlie Dickens (1812-1870) famoso romancista Ingles.

Outra mistura quente que surge é um coquetel chamado Negus, feito com Vinho do Porto Tawny ou como chama no livro de Oxford, Red Port Wine, outra diferença era o uso de Seville oranges, um cítrico que foi introduzido pelos Asiáticos na região de Sevilha na Espanha. O nome drinque faz uma auto-homenagem ao seu criador Coronel Negus (que pelo visto possuía um grande ego).

 Bishop
Para ver a receita do Bishop é só clicar na foto acima.

Vinho Quente em várias culturas

O fato é que várias culturas possuem sua variação de vinho quente, algumas possuem a casca de cítricos outras o suco mas todas tem em comum o uso de cravo e canela na composição, na maioria é encontrada também anis estrelado e cardamomo em outras até zimbro é misturado.

Para acessar as receitas é só clicar no nome dos drinques em destaque.

Os Escandinavos chamam de Glogg o diminuitivo de "Glödgad Vin" que significa "Vinho Brilhante", onde era misturado vinho seco com especiarias eles aumentam a potência do álcool normalmente com aquavit (destilado de batatas).


Os Alemães tem sua variação parecida com a dos escandinavos adicionando algumas vezes um destilado junto a mistura de Vinho com especiarias, seja rum ou algum brandy, essa mistura é conhecida como GluhWein.


Os Franceses consumem o que eles chamam de Vin Chaud, temperado com especiarias e algumas versões adicionam Armagnac ou Pear Williams (Brandy de pera).


Os Italianos conhecem esta mistura de Vin Brulé algumas variações sugerem um brandy.


Os Ingleses e Americanos respectivamente tornaram o Mulled Wine uma bebida muito popular no natal, já que faz frio neste período em algumas regiões do hemisfério norte. Algumas variações utilizam dois tipos de vinho diferentes normalmente um seco e outro fortificado.


Nós Brasileiros temos a nossa versão de Vinho Quente também assim chamado e já conhecido pelos portugueses, normalmente feito em todo o Brasil somente com vinho e especiarias sem adição de destilado mas na região sul do país é adicionado cachaça, acredito que isto aconteça por várias influências como vimos na origem da Festa de São João, mas influenciadores mais diretos podem ser considerados os europeus que migraram para o sul, a imigração italiana com seu Vin Brulé e alemã que consome Gluhwein, vale ressaltar que O Vinho Quente de Portugal é adicionado algum aguardente também.

Segundo o antropólogo Luis da Câmara Cascudo em seu livro a História da Alimentação do Brasil, a imigração alemã não teve um impacto amplo em costumes gastronômicos em nível nacional, neste caso os italianos obtiveram mais sucesso, muito provavelmente porque a quantidade de italianos que chegaram no Brasil era muito maior que de alemães.




Acima GluhWein o vinho quente dos alemães.



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